A jornada para uma mulher alcançar a posição é marcada por desafios que vão além das habilidades e competências profissionais
A busca por igualdade de gênero no ambiente profissional continua sendo um desafio constante, e uma área que evidencia claramente essa disparidade é o sistema judiciário. Mesmo com avanços significativos em várias esferas da sociedade, a carreira jurídica ainda é marcada pela predominância masculina em altos cargos, sendo especialmente perceptível quando se trata da ocupação de posições de destaque, como a de juíza.
A desigualdade de gênero no judiciário reflete-se em números preocupantes. Dados recentes apontam que, embora as mulheres representem uma parcela significativa dos profissionais do Direito, a proporção delas em postos de magistratura ainda é alarmantemente baixa. A jornada para uma mulher alcançar a posição de juíza é marcada por desafios adicionais que vão muito além das habilidades e competências profissionais.
Como a representatividade das mulheres em cargos altos no sistema judiciário ainda é bastante limitada, isso impacta diretamente suas carreiras e salários. A média de salário juiz federal é de R$ 39 mil, mas poucas conquistam o cargo. Assim, é fundamental aumentar a presença feminina nessas posições, equiparar as remunerações para profissionais do magistrado e garantir um sistema judiciário diversificado. Dessa forma, é possível oferecer respostas mais democráticas aos conflitos e questões enfrentados pela sociedade.
38% dos juízes são mulheres
De acordo com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), embora as mulheres representem aproximadamente 51% da população brasileira, elas correspondem a apenas 38% do total de juízes na magistratura. Segundo uma pesquisa inédita realizada pelo Centro de Pesquisas Judiciais (CPJ) da AMB, o público feminino enfrenta desafios significativos na busca por ascensão profissional devido ao acúmulo de responsabilidades familiares e profissionais.
O estudo revelou que cerca de 30,9% delas recusaram oportunidades de promoção com medo de terem que mudar de domicílio e se afastar de suas famílias. Além disso, aproximadamente 74% das entrevistadas admitiram ter adiado seus estudos ou aperfeiçoamento profissional devido às responsabilidades familiares.
Conforme avaliação do presidente da AMB, Frederico Mendes Júnior, ao portal do Superior Tribunal de Justiça (STJ), esses resultados destacam a necessidade de se combater a desigualdade de gênero no ambiente profissional, especialmente no sistema judiciário. Nesse sentido, fazem-se necessárias políticas que promovam a conciliação entre a vida profissional e familiar, bem como a conscientização sobre preconceitos de gênero. As medidas são indispensáveis para oferecer oportunidades igualitárias às mulheres na carreira jurídica.
Perspectiva global e realidade brasileira
Uma pesquisa conduzida pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), em parceria com a Universidade de Oxford, revelou a persistente falta de igualdade de gênero no Poder Judiciário global. Embora haja um aumento gradual da participação feminina em cortes ao redor do mundo, a carência de mulheres nos mais de 50 tribunais avaliados é particularmente notável no Brasil.
A juíza federal e coordenadora da Comissão Ajufe Mulheres, Camila Pullin, enfatizou, em entrevista à imprensa, que diversas pesquisas no Judiciário indicam uma menor diversidade na Justiça Federal. A desigualdade de gênero se torna mais evidente à medida que se progride na carreira, criando um estreitamento dessa representatividade feminina.
Camila, que atua em Alagoas, vive na prática essa disparidade, sendo uma das quatro mulheres em um universo de 20 juízes da Justiça Federal em sua região. Em outros momentos, chegou a ser a única juíza nesse mesmo grupo.
A pesquisa da Ajufe também identificou o aumento gradual da presença feminina em cortes de diversos países ao longo dos anos. Em 2000, a proporção de mulheres nos 52 tribunais pesquisados era de 15,6%, enquanto em 2020 esse número subiu para 36,6%.
Caminhos para uma magistratura mais plural e inclusiva
Quando questionadas sobre experiências específicas no ambiente de trabalho, 70,5% das magistradas relataram à AMB terem sido interrompidas por colegas masculinos enquanto falavam. Quase metade delas, aproximadamente 48%, sentiu que sua inteligência foi subestimada, como se fossem incapazes de compreender determinados assuntos. Outras 46,7% declararam terem sido rotuladas como agressivas quando, na verdade, estavam apenas expressando opiniões assertivas e confiantes.
A pesquisa foi realizada em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e contou com a participação de 1.451 juízas, tanto ativas como aposentadas, de diversos ramos da Justiça em todas as regiões do país.
O coordenador do CPJ e corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, destacou ao STJ que o estudo representa um ponto de partida fundamental para a elaboração de soluções e políticas públicas. Ele enfatizou a responsabilidade dos juízes em contribuir para a sociedade, utilizando os dados para direcionar ações que promovam uma magistratura plural e representativa, fortalecendo, assim, o Estado Democrático de Direito.
A presidente da AMB Mulheres, Domitila Mansur, ressaltou a importância do levantamento ao abrir caminho para a concretização de ações efetivas. Ela enfatizou a necessidade de uma magistratura capaz de refletir e representar o desejo do povo e destacou que a pesquisa auxilia nessa concretização, consolidando um sistema judiciário mais diversificado e inclusivo.
Dentre as ações práticas que podem ser impulsionadas por esses resultados, a conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Salise Monteiro Sanchotene, revelou que o CNJ está avaliando tornar obrigatória a participação feminina nas bancas de concursos. Ela enfatizou que dados coletados junto à sociedade são fundamentais para fornecer embasamento técnico para mudanças regulatórias e avanços significativos de maior equidade de gênero no âmbito da magistratura.